Ônibus : ninguém merece

Ônibus : ninguém merece

Se você mora ou trabalha na Zona Oeste, irá concordar comigo.

Segunda passada fiz essa matéria falando sobre, além do problema do trânsito, o problema da insuficiência das linhas de ônibus, que não chegam como deveria até a Barra, Recreio, São Conrado, enfim, a Zona Oeste em geral, que é para aonde as empresas estão indo, com esse processo de esvaziamento do Centro da cidade, e levando assim seus trabalhadores, que precisam de ônibus, metrô e trem para chegarem lá - ou seja, tá tudo em falta. Sem falar da má condição que os motoristas e trocadores são submetidos. E hoje, como profecia, estoura essa greve.

Segue abaixo a matéria. Boa leitura.


São 8:15 da manhã e hoje é o dia que você, que mora no subúrbio, decide visitar sua tia, amigo, ou ir naquela reunião de trabalho ou social, lá na Zona Oeste, especificamente no belo bairro de São Conrado ou Gávea. Você faz coro para que o Rio de Janeiro seja uma cidade sustentável e de vanguarda, acredita nos transportes públicos e, por falta de carro, se vê forçado a ir de ônibus. Mal sabe você, caro leitor, que essa sua saga saindo de cascadura às 8:15 só terá fim às 14:15, quando for permitido pela cidade estar de volta em casa.

Que o transporte público não funciona no Rio de Janeiro (nem o de massa nem o de menor escala) todos sabem. Basta ver o trânsito, a lentidão e o desconforto sofrido por milhões de cariocas todos os dias em ônibus, metrôs e trens. Mas que a malha urbana está ineficiente e não atendendo mais ao estado, não só numericamente, mas como geograficamente, pode ser um problema novo.

Peguei o ônibus 465, Cascadura X Gávea, em seu ponto final, numa praça em cascadura, com destino ao shopping, às 8:15 em um dia de semana e, passando ainda pela Alvorada, na Barra, só cheguei ao meus destino às 11:40. Vale ressaltar que o calor insuportável e o trânsito caótico contribuíram para que uma menina ao fundo do ônibus cheio desmaiasse por conta de pressão baixa ou baixa taxa de glicose.

E se, chegando lá, após sua decisão tomada e tarefas concluídas, você more no engenho de Dentro e tenha que voltar para casa também de ônibus? Por conta do trânsito, a sugestão mais plausível seria pegar um ônibus até o centro, e de lá, um que iria para a Zona Norte. Pois então desafio aceito. Ao lado do shopping, descubro que a opção mais rápida é o ônibus de número 177, Gávea X Praça Tiradentes e entro nele. À essa hora, pode-se notar que pelo menos algo funciona: com as escolas municipais e estaduais em seus horários de saída, os ônibus da região funcionam quase como um transporte privado para os estudantes que tem livre acesso ao ônibus. Então lá vou eu, encarar trânsito do humaitá ao Catete, e chegar na Lapa à 13:20.

O Passeio, na região Central da cidade próximo aos Arcos da Lapa, é conhecido pçor ficar lotado nas horas de Rush por ser ponto final de muitos ônibus que vão para as mais variadas localidades do Rio, inclusive o 247, Passeio X Méier. Agora por volta de 13:00h algo inédito acontece: o ônibus está parcialmente vazio, mas o calor nunca esteve tão forte. Começo a conversar com a trocadora por que quase não se vê mais os automóveis, das linhas que ganharam a concessão para administrar esse lado do transporte da cidade, com ar-condicionado. Fico sabendo que só na empresa administradora dos ônibus para a qual ela trabalha, a Verdun, os processos criados por razão de problemas decorrentes do ar foram muitos:

— Já vi paciente dizendo que ia processar a empresa porque saiu tossindo. Já vi gente mandar deixar mais gelado porque havia pago os 0,20 centavos. Eu mesmo não aguento são 17º, me dá dor de cabeça. Uma amiga minha, quando terminou o plantão e ela desceu do 'carro', teve choque térmico e um problema nos nervos das mãos, teve que ficar fazendo fisioterapia durante três meses. Então por causa desses e outros muitos problemas todos os dias, acho que eles decidiram retirar os ônibus com ar-condicionado.

Conversa vai, conversa vem, chego ao Méier, bairro do subúrbio carioca e o trânsito é amigo sempre fiel na cidade maravilhosa. Desço do ônibus às 14:15, finalizando assim uma viagem com quase 60km rodados em condições precárias, desconfortáveis, aquém do valor da passagem paga. Todo esse sofrimento é bem distribuído em seis horas de estresse, tanto para os passageiros, quanto para os empregados (motoristas e trocadores). Recentemente, além da medida legal aprovada que permite o motorista acumular também o papel de trocador, agora a área profissional sofre uma espécie de 'entre-safra', e muitos estão sendo admitidos sem preparo ou condições. O problema do transporte na cidade vai além do conforto, e das condições mínimas de respeito ao grande público. Além do trânsito, com o crescimento de locais como Barra e Recreio e o "êxodo" das grandes empresas para a Zona Oeste, outro problema começa a surgir no Rio: a ineficiência do transporte público em servir a sociedade em escalas geográficas. A cidade cresce e se expande empresarialmente por conta de neo-liberalismo e o estado não faz sua parte.

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