outubro 2012

Martha, camisa 10

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O nome Martha parece ser prenúncio de coisa boa. Num pensamento rápido, vem logo na mente o nome da melhor jogadora do mundo com a camisa 10 da seleção brasileira de futebol feminino. Mas a Martha da qual falaremos agora não é essa apesar de não deixar de ser uma craque: a das letras.

 
Martha Medeiros é a que você conhece dos livros “Feliz por Nada”, “Divã”, “Doidas e Santas”, das colunas do jornal Zero Hora e daquela sua leitura obrigatória de domingo da revista do O Globo. Ela me concedeu uma entrevista para o Etc.e.Tal.

Nela, a escritora falou de como começou na profissão do mundo das letras e sobre o livro sobre relatos de suas viagens “Tudo bem biográfico mesmo. Não será um livro de roteiros e dicas, e sim de registros, imprevistos e descobertas.”

Vai dizer que você nunca ficou embasbacado depois de ler uma de suas crônicas ou que nunca recortou um artigo dela para mostrar para suas amigas? Abaixo, a sofisticada e popular, Martha Medeiros.

"Gostar de alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa cabecinha, que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que age por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de conscientização resolvesse o assunto (...)."
- Martha Medeiros




A escritora Martha Medeiros tem, entre romances,
crônicas e poesias, 20 livros lançados na carreira




Etc.e.Tal. – Martha Medeiros
Por Bruno Almeida 

Etc — O que diria aos que desejam se aventurar como escritores? Há uma receita a seguir? 

Martha —
 Eu diria para serem bem honestos ao se perguntarem: tenho o dom mesmo ou é só uma vontade? Se o dom existe pra valer, sugeriria que fizessem uma oficina de literatura, que já foi a porta deentrada de ótimos escritores, e que mantivessem um blog, algo que os fizesse praticar a escrita diariamente. E ler muito, muito. Ah, cruzar os dedos ajuda também.   




Etc — 
Corrija-me se estiver errado, mas, ao que parece, você era publicitária e durante umas férias, escrevendo alguns poemas é que se decidiu ser escritora como profissão. Imagino que a escolha tenha sido tardia. Como foi se transformar na profissional Martha Medeiros de hoje? O acaso ajudou na escolha dessa profissão?

Martha
 Eu escrevia poemas desde os 16 anos, antes de entrar na faculdade, e aos 23 anos resolvi mandar alguns desses poemas para uma avaliação da editora Brasiliense, de SP. Para minha sorte, o editor Caio Graco gostou do material e meses depois lancei meu primeiro livro pela coleção Cantadas Literárias. A partir daí publiquei outros livros de poemas, mas era uma espécie de hobby, não me via como escritora. Só em 1994 é que comecei a escrever crônicas para jornal e meu trabalho ganhou uma tremenda visibilidade, tanto que deixei a publicidade para me dedicar à literatura. Foi um processo lento e circunstancial, nada aconteceu por decreto, de um dia para o outro.




Etc —
 Martha, entre muitos livros e muitas crônicas, fica difícil ver por qual desses estilos você ficou mais famosa. O certo é que em inúmeras repartições públicas aqui do rio,armários de jovens, papéis de parede de computador e até em fichários, em todo lugar corre o risco de se encontrar uma crônica sua. Qual é o segredo pra exercer essa mágica do jornalismo:dizer tanto em tão poucas linhas?  
 

Martha
 Não há um segredo, uma fórmula mágica, nada disso. Escrevo do único jeito que sei, não saberia escrever de forma mais hermética. Acho que a publicidade me deu uma cancha, não posso negar. Meu texto é considerado comunicativo e sedutor, duas características obrigatórias na redação publicitária. O resto vem de dentro, não invento um personagem. Escrevo sobre o que sinto, penso, estou inteira ali no texto. Há uma honestidade que talvez seja perceptível e que encante os leitores.




Etc —
 Em sua escrita pode-se observar que você traduz com exatidão a linguagem da alma, para a nossa linguagem. Como é ser essa tradutora de sentimentos, dar voz e verbalizar o que muitos que se identificam com o que você escreve não conseguiriam fazer sozinhos?



 Martha
 Não considero que eu tenha essa missão de “tradutora da alma”, seria muita pretensão. Os sentimentos são universais e repetitivos, não há nada de novo no front, eu apenas coloco-os “no papel” sem me preocupar em ser moderna, estilosa, hype, nada disso. Não há um “truque”. Talvez o que cative seja justamente eu não me levar tão a sério. Os leitores me levam mais a sério do que eu mesma. Estou sempre prestes a me contradizer, assim é a vida, não há verdades absolutas.    




Etc —
 Todas essas reflexões, você já as vivenciou na pele ou são inspiradas em outras pessoas ou personagens criados por você? 


Martha
 Depende. Muitas foram vivenciadas por mim, outras foram vivenciadas por amigas, algumas coisas eu ouço por aí e desenvolvo. A vida tem matéria-prima de sobra. O importante é saber se colocar no lugar do outro pra tentar extrair dali uma emoção verdadeira, e não fajuta. Já escrevi sobre perda de filho sem nunca ter perdido filho algum, e no entanto muitas mães juram que eu já passei por essa tragédia, pois se sentiram refletidas pelo texto.



Etc —
 Se você responder que já vivenciou todas ou grande parte dessas experiências na pergunta acima, parece que você sofreu bastante, é correto essa frase? Pra se escrever com essa exatidão tem que sofrer mesmo?


Martha
 Eu já sofri por amor, quem não? Porém, sofrimentos mais radicais, não sofri, não. Tive uma vida bastante privilegiada até aqui. Mas claro que há momentos de melancolia, angústias, dúvidas, e tudo isso acaba servindo para a criação de histórias ou de crônicas.


Etc —
 Solidão, "distanciamento" um do outro e superficialidade de sentimentos são temas presentes no seu trabalho. Alguma razão especial? 


Martha — 
Com a solidão tenho a melhor das relações, mas porque é uma solidão escolhida, não imposta pelo destino. Tenho mãe, pai, irmão, filhas, sobrinhos, namorado e uma penca de amigos, não poderia jamais me queixar de solidão. Justamente por ter muitos afetos, gosto de ficar sozinha de vez em quando, conectada comigo mesma. E como sou um tango argentino, muito intensa nas minhas emoções, acabo me surpreendendo com a superficialidade dos encontros atuais, tudo muito descartável. Tenho bastante dificuldade de me desapegar de pessoas, enquanto que tenho a maior facilidade de me desapegar de coisas materiais. Parece que estou na contramão das tendências. Escrever sobre isso me interessa.



Etc — Quem são seus escritores preferidos? 


Martha
 Philip Roth, Paul Auster, Ian McEwan, Caio Fernando Abreu, Saramago, Verissimo, Mario Benedetti e milhares de etceteras. 



Etc —
 Já tem alguma previsão de próximo romance? 


Martha
 Acabei de lançar uma coletânea de crônicas chamada “Feliz por Nada”. De três em três anos eu documento minhas crônicas em livro, a última coletânea havia sido “Doidas e Santas”. E no começo do ano que vem pretendo lançar um livro com relatos de viagens, tudo biográfico mesmo. Viagens variadas que fiz pelo Brasil e pelo mundo, nas mais diversas situações. Não será um livro de dicas e roteiros, e sim registros de roubadas, imprevistos, descobertas. Mais adiante a gente fala sobre esse livro, ele ainda não está pronto.


Etc —
 Sempre nas entrevistas do Etc.e.tal haverá espaço para o entrevistado dizer o que quiser, ao final da matéria, se isso não foi possível por meio das perguntas. O que você tem a dizer... 

Martha — 
Apenas agradeço o espaço, obrigada pela oportunidade.