julho 2013

Como é ser um Zé

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Estamos vendo ao longo de todo Brasil e principalmente na cidade do Rio de Janeiro uma forma contínua e plural de protestos. Uma galera, jovens em sua maioria, que andam saindo às ruas para reclamar seus direitos e, querendo você ou não, quanto a isso, somos forçados a nos posicionar quase que involuntariamente: pró ou contra.

As manifestações tomaram corpo por causa do então aumento (abusivo) das passagens de ônibus em vinte centavos , mas como desgraça atrai desgraça, o que não faltou foram motivos justos de reclamação da nossa desgraçada política.

Essa turma que encabeça as manifestações pacíficas ou não, vem se classificando como uma massa de manobra não tão maleável assim na mão dos poderosos ou do 
Estado, pois se forma ainda num ambiente livre, numa terra de malboro, sem lei nem regulamentação, chamada internet. Essa que já cooperou na derrubada de regimes consolidados, em revelações de espionagem e até em acusações verossímeis de atos extras conjugais, juram os traídos (os principais responsáveis pelo fato de pesquisas mostrarem que nós, jovens, não passamos em média menos de quatro horas por dia na frente do pc, navegando).

E é essa mesma geração que parece sugerir com tais atos um acontecimento quase que inédito no país, se levarmos em consideração o número de casos ao longo da historia nacional: parecemos estar saindo da inércia, porém entrando na ditadura dos ofendidos. E nessa ditadura, a minoria tem ,sim ,voz! E basta o mínimo indício de uma ofensa que não faltam aproveitadores em busca de oportunidades.

Outra fato curioso é a possível mudança da conotação de "realidade" e de "sensação" , a qual criamos nas últimas décadas graças ao nosso modelo de vida e relacionamentos verticais ou horizontais, de consumo exagerado transformando o TER como propósito central, no lugar do SER. Com números, gráficos, publicidade, propaganda, por meio da mídia e de incentivos, somos quotidianamente induzidos a acreditar que vivemos em um local seguro, liderado por competentes escolhidos pelo povo, com saúde, moradia, senso de respeito e justiça.

E já que as palavras nos levam para esse caminho, não tenho como não lembrar de um amigo, o Zé. Esse era capaz de tudo, até confundir o guarda particular de rua com segurança, o plano de saúde absurdamente caro com saúde, as baixíssimas oportunidades de lazer gratuitas com cultura e os caríssimo e não variados produtos com oportunidades de satisfação pessoal.

Zé não tinha como seu ganha pão algo desejado, estudado e planejado, e sim algo empurrado, ocasionado pelas urgentes necessidades sociais. Poucos ,provavelmente, são os que vivem felizes ou justos em suas funções e trabalhos. A nossa sociedade nos empurrou uma sensação de que o homem é o seu trabalho, e por isso vemos pessoas que gastam quase metade de seu dia, mais de 80% do mês, em um propósito profissional no qual elas não acreditam, não as estimulam e não as representam. A sensação é de trabalhador, a realidade é de peão manejado e velejado de acordo unicamente com os sopros do vento. É o homem refém da vida e a vida vivendo o homem. O homem não é seu trabalho, o homem é sua obra, e a obra corre o risco de estar inacabada, mas não por falta de trabalho. É a ironia moderna que tem o malandro Zé como  personagem.

A sensação no condomínio do Zé que tem piscina , sauna, quadra poliesportiva o faz crer na segurança e no seu lazer, quando a realidade é que o Zé paga cinco meses em imposto ,dos dozes em um ano, para nada.Como sempre, o último a saber...

A sensação diz que ele escolhe quem governa e que vive numa democracia. Experimente perguntar a ao Zé qual foi a última vez que sua palavra foi ouvida ou ele teve voto em algo coletivo, na poda da árvore da sua rua, ou quando a opinião de um Zé foi perguntada em algo que diz respeito a ele próprio. Será que  ele tem o direito de opinar sobre sua aposentadoria é uma pergunta muito cruel a se fazer, isso porque ainda nem chegamos na questão de opinião quanto a políticas externas e relacionamentos diplomáticos.

A sensação entregou semana passada ao Zé uma promoção, a realidade é que ele continua ganhando abaixo do que é justo, muito provavelmente. Isso porque quem regula a justiça é o mercado, e nele essa tal senhora tem custado muito caro. A realidade é injusta e o meu iludido amigo tem sido o primeiro a transformar seu nome próprio em um verbo a ser conjugado.

A sensação de um cordão de ouro, de um carro comprado em milhões de vezes, uma dívida de uma década... Mas provavelmente pro Zé não há nada mais desejável do que o cheiro de um carro semi-novo , não é?

Vejamos algo: não existe classe C emergente ou uma multidão elevando seu padrão de vida, existe uma nova turma que só ganhou o poder de compra, o que favorece a iniciativa privada. Não existe melhora de padrão de vida, saída da miséria, uma vida mais justa e digna, só existe uma escassa possibilidade de comprar um eletrodoméstico e roupas melhores para ver se assim melhora a autoestima  classificação pro moço do IBGE. Tudo a preço da dívida. Eternos devedores de algo por algo que não se precisa. Se sabe o preço de tudo, já os valores... Mas o Zé continua Zéneando (vamos torcer para o verbo não vir para o imperativo).

O pobre Zé, que mais tarde me confidenciou que só não foi mais longe nessa história de flexibilidade do tempo de seu novo verbo porque não teve acesso à educação na infância, vive numa sociedade injusta, preconceituosa e imoral que tem sua manutenção na sensação das coisas. A pregação de que o próximo new rich pode ser o Zé, ou que ele pode crescer na vida ou ser o mais novo ganhador da mega sena só perpetuam o que sempre aconteceu: quem sempre roubou muito, bem, e quem sempre roubou pouco, mal. Na terra do Zé, só os roubos de grande porte compensam.

Aparece na tela da tevê o menor de idade negro, da favela sendo preso por tráfico e porte de arma e a sua sensação é que você está livre daquele problema. Poderíamos desafiar nosso conterrâneo à procura de quem é o jovem negro de favela que permite a entrada de armas em nossas fronteiras ou que faz vista grossa ante alguns benefícios da entrada de drogas no nosso país ou que faz politicagem deixando bem claro quanto custa sua assinatura para embargar ou não alguma proposta quando se torna político ou que alicia menores visando o lucro coisifcando o que é humano.

Os frutos do problema não são a raiz do problema, Zé.

Qual foi a última vez em que você mais elogiou e se identificou com algum político do que o criticou ou se frustrou me perguntou o Zé numa tentativa de me mostrar que nossos CEP's são parecidos. Em vão... 

A sensação não é a realidade, e agora , a minha sensação é de que as coisas tem mudado junto com o Zé.