Um poeta atemporal

Um poeta atemporal

“Parece que os séculos/cuidam dos castelos/que no alto das montanhas/são o sonho das pedras/ou o desejo das nuvens./Escrever é uma pedreira./Se me atirasse daqui/de uma de suas torres de marfim/cairia, talvez/inteiro/em corpo reduzido/na página de qualquer jornal./Escrever é uma pedraria.” 
— Matéria – Armando Freitas Filho


Você já pode ter encontrado este poema em italiano, inglês, francês, chinês, espanhol e até em alemão. Na verdade, foram pra essas línguas que obras do escritor Armando Freitas Filho já foram traduzidas.

Herdeiro do Modernismo, Armando — carioca e nascido em1940 — é considerado um dos principais expoentes da poesia  brasileira. Vanguardista, seu trabalho é estudado por especialistas como Heloísa Buarque de Holanda, Flora Süssekind e José Miguel Wisnik, de sua primeira publicação , “Palavra, poesia”, de 1963, até sua última: "Lar", de 2009 que foi premiado pelo Jabuti e pela Portugal Telecom. Ganhador do Prêmio Jabuti de 1986 de poesia com o livro 3x4, o poeta diz, nessa entrevista ao Etc.e.Tal, “precisar crer” que sua poesia evoluiu com o tempo, explica que Paulo Coelho e literatura não tem nada a ver, levanta uma questão sobre o Prêmio São Paulo de Literatura, o maior prêmio  em dinheiro do país, e fala sobre seu desejo de lançar seu próximo livro de poemas em 2013.


Armando foi pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor do gabinete da presidência da Funarte, onde se aposentou.
Créditos da foto: Cristina Barros



Etc.e.Tal. – Armando Freitas Filho
Por Bruno Almeida

Etc — Armando, na sua opinião, por que lá fora se degusta Paulo Coelho aos montes enquanto Drummond timidamente só vem sendo descoberto agora?
Armando — Paulo Coelho não tem nada a ver com literatura. Não há, propriamente, degustação, mas sim uma talagada de bebida ordinária, que sai na urina, imediatamente. Num país como nosso, periférico ainda, e por causa disso, um poeta com a grandeza de Carlos Drummond, aí sim, a degustação pode tardar, até mesmo aqui, dado a complexidade, quanto mais lá fora, mas não falhará. Faltam, a meu ver, traduções melhores do que as existentes. É uma pena, pois a literatura universal é que perde, não “conhecendo” Drummond, Bandeira, Cabral, Gullar, por exemplo. O Brasil melhorando, como está, como país, vai facilitar esse conhecimento. Dessa vez, nós é que estamos na frente, e eles, tardios.

Etc —
Com mais de 40 anos de estrada, vindo depois da geração de 45, e passando pelas vanguardas que vieram posteriormente, pode-se dizer que Armando Freitas Filho estaria no hiato de uma classificação poética cronológica para outra? Como definir seu trabalho?
Armando — Minha geração bebeu direto na fonte abundante e libertária da Semana de Arte Moderna de 22: em Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Carlos Drummond, principalmente. No que me diz respeito, preferia mais a prosa de Oswald de Andrade: Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande do que a poesia dele, que sempre me pareceu datada, um interessante ponto de partida, mas não de chegada, digamos assim. A geração de 45 era desprezada: como levar a sério uns poetas que faziam passeatas ao túmulo de Olavo Bilac para homenageá-lo e ressuscitar o soneto, ou coisa que o valha? O poeta depois dos modernistas que nos interessava – e muito – era João Cabral, que se era um poeta cronologicamente de 45, diferia substancialmente dos seus companheiros. Assim como um chipanzé difere de um homem. Na composição do DNA, pouco, mas na performance, muitíssimo. O poeta de vanguarda que me importava naqueles idos, meados dos anos ’50, era Ferreira Gullar, como me interessa até hoje, como poeta tout court. Seu livro A luta corporal (1954) foi um real acontecimento. O trio paulista: Haroldo, e Augusto Campos mais Décio Pignatari era chato, mecânico, arbitrário. Diziam que o ciclo histórico do verso tinha acabado. Que bobagem! A melhor poesia que se fazia – e que perdura até hoje com força idêntica, se não maior – era a que era escrita por Bandeira, Drummond, Murilo e Cabral, toda ela em inesquecíveis versos livres. Ao me filiar, convidado por Mario Chamie, na Instauração Práxis o fiz por duas razões: dos movimentos de vanguarda era o que tinha uma pegada política mais forte, e, principalmente, não tinha abandonado a sintaxe, o discurso, que não era nem um pouco discursivo, ou condoreiro. Portanto, não me vejo num hiato, mas numa sequência lógica.

Etc —
Medo, morte. Quais outras palavras fazem borbulhar suas poesias?
Armando — Todas as palavras; essa, pelo menos, é a ambição.

Etc — A
os 71 anos e com quase 50 de carreira, qual a maior mudança que pode assinalar na poesia de lá pra cá? E nas suas obras, muita coisa mudou?
Armando — A maior diferença que percebo é que a poesia de hoje, em geral, com o advento da internet, tem um campo maior para se expandir, de ser lida, enfim. Mas, o público leitor não cresceu da mesma maneira. Concordo com o Paulo Henriques Britto que estimou que mil pessoas no Brasil leem poesia, verdadeiramente. O Prêmio São Paulo, o maior prêmio literário em dinheiro do Brasil (200 milhas) só premia ficção: de autor estreante e de autor consagrado, com a mesma quantia. Por que não premia poesia, porque vende pouco? Se for por isso, o prêmio visa mais o mercado, mesmo incipiente, do que a cultura, o que não é louvável. Quanto a minha poesia, preciso crer que ela evoluiu com o tempo. Mas quem pode falar sobre isso com a isenção possível é a crítica.


Etc —
Da nova geração, ou dos mais recentes, qual poeta mais lhe agrada?
Armando — Citar nomes é sempre uma armadilha. Sempre fica faltando alguém. Por isso, vou citar, somente, os três mais moços que tive a sorte de acompanhar, nenhum com mais de 25 anos: Alice SantAnna, com Dobradura; Laura Liuzzi, com Calcanhar; Sylvio Fraga Neto, com Entre árvores, que vai ser lançado em junho próximo.


Etc —
Quanto ao futuro: trabalhos, novas caras, novas tendências, há algo que acha e que possa falar?
Armando —As caras novas já nomeei, juntamente com as novas tendências que enxergo neles. Acho que os três poetas que citei anteriormente são um ótimo exemplo da novíssima poesia. Claro que não são só eles; eles são aqueles que melhor conheço e pratico. Cada um tem o seu jeito, o princípio de um estilo próprio, que se firmou segundo minha aposta e o meu modo ver.Quanto à minha poesia posso dizer que pretendo, em 2013, quando completarei 50 anos de poeta publicado, lançar um novo livro de poemas.

Etc —
Quando nos comunicamos por e-mail, cometi a enorme gafe de me dirigir ao senhor como “armanado”. Em seguida pedi desculpas que o senhor prontamente concedeu, brincando que nem tinha percebido e ainda assinou um dos email's mandando abraços assinando como 'Armando, Armanado ou Armado”. Hoje, quem é Armando Freitas Filho?
Armando — Armando, Armanado, Armado.


Etc —
Sr. Armando Freitas Filho, sempre nas entrevistas do Etc.e.tal, haverá espaço para o entrevistado dizer o que quiser, no final da matéria, se isso não foi possível por meio das perguntas. O que você tem a dizer...
Armando — É que estou satisfeito com as perguntas. Espero as ter respondido satisfatoriamente.

2 comentários:

  1. Delícia de entrevista ! Sinto como se estivesse ouvindo curiosamente uma conversa informal na mesa do lado de um buteco qualquer. Gosto quando as entrevistas fogem daquele formatinho quadrado . E não canso de parabenizar-te.

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  2. Que bom que gostou, Ana. Essa é a intençao: deixar tudo a vontade para que a conversa flua e as informações apareçam. Beijos

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