O que (o escritor da) Esquerda tem que aprender com os evangélicos

O que (o escritor da) Esquerda tem que aprender com os evangélicos

Recentemente foi lançado ao público por meio de alguns blogs um artigo que, inteligentemente, discute a tríade a princípio inseparável: economia-política-religião.

O artigo traz reflexões importantes porém peca em algo que os da própria corrente evangélica/pentecostal/neo-pentecostal pecam: a segregação.

O escritor acusa algumas denominações com a do missionário R.R. Soares ou a Universal do Bispo Macedo de produzirem cultos em escala da broadway, insinuando que, por conta disso, tradições de simplicidade cristã fiquem em segundo plano (com muita boa vontade) no cotidiano daquela comunidade.

Não advogo a favor de missionário ou bispo nenhum, pelo contrário, pessoalmente até tenho discordância com a forma que lidam com o evangelho e essa forma política , contudo, como disse anteriormente, a crise do protestantismo hoje no Brasil é criada pelos próprios evangélicos.

Não raras vezes em conversas comuns você irá ver entre eles alegações de que militantes da causa que pertencem à outra denominação são errados ou o pior, pelo simples fato da comunidade em debate ter crescido, ter se tornado uma gigante em influência e abrangência, já se coloca o rótulo de vendida.

A revista Época, ou Isso é (não me lembro no momento) deu a capa de uma de suas edições do ano passado falando sobre o novo crescimento do protestantismo à margem dos evangélicos. Líderes como Caio Fábio e Carlos Bregantim estão nesse contexto uma vez que incitam essas pequenas reuniões em fundos de quintais ou ex-lojas comerciais (Em tempo, os neo-pentecostais do textos e esses do conteúdo da matéria dessa revista são de correntes completamente diferente se assimilando somente na pseudo simplicidade do pouco número de membros ou da pequenez da congregação).

O fato é que, quando qualquer líder ou seguidor religioso do cristianismo ocidental protestante levanta sua bandeira contra qualquer denominação que apareça na TV ou que por ter ganho notoriedade por suas próprias condições, ele cai numa armadilha social muito comum, muito arisca e muito arriscada, que começou na Escola de Frankfurt, na Alemanha.

Esses alemães, muito doidos, muito à frente, de vanguarda e geniais, tinham uma ideologia que no fim das contas poderia se resumir grosseiramente a seguinte frase "se faz sucesso, não é bom."

E é isso que acontece atualmente. Qualquer líder religioso/ espiritual é julgado primeiramente pela visibilidade que tem; se a possui muito, um certo pre´-conceito já se instala na interpretação de suas palavras e associar este homem ou mulher à simplicidade, graça, humildade e integridade parece coisa quase impossível.

Como se simplicidade fosse atributo excludente de grandeza e graça de realeza.

O dogma que assolou essa religião durante anos, proveniente da cultura dos franciscanos, que assossiava pobreza à santidade não é verdadeiro nem recíproco: riqueza não é sinônimo de pecado!

O texto se encontra abaixo, essas são algumas pequenas reflexões que eu espero que nos faça pensar e rever nossas atitudes de interpretação.

A teologia da libertação perdeu seu espaço para os evangélicos muito por causa disso...

Até breve.

“As massas de homens que nunca são abandonadas pelos sentimentos religiosos 

então nada mais vêem senão o desvio das crenças estabelecidas. 
O institnto de outra vida as conduz sem dificuldades 
ao pé dos altares e entrega seus corações aos preceitos 
e às consolações da fé.”
Alexis de Tocqueville, “A Democracia na América” (1830), p. 220. 
Publicado originalmente no sensho
No Brasil, um novo confronto, na forma como dado e cada vez mais evidente e violento, será o mais inútil de todos: o do esclarecimento político contra o obscurantismo religioso, principalmente o evangélico, pentecostal ou, mais precisamente, o neopentecostal. Lamento informar, mas na briga entre os dois barbudos – Marx e Cristo – fatalmente perderemos: o Nazareno triunfa. Por uma razão muito simples, as igrejas são o maior e mais eficiente espaço brasileiro de socialização e de simulação democrática. Nenhum partido político, nenhum governo, nenhum sindicato, nenhuma ONG e nenhuma associação de classe ou defesa das minorias tem competência e habilidade para reproduzir o modelo vitorioso de participação popular que se instalou em cada uma das dezenas de milhares de pequenas igrejas evangélicas, pentencostais e neopentecostais no Brasil. Eles ganharão qualquer disputa: são competentes, diferentemente de nós.
Muitos se assustam com o poder que os evangélicos alcançaram: a posse do senador Marcello Crivela, também bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, no Ministério da Pesca e a autoridade da chamada “bancada evangélica” no Câmara dos Deputados são dois dos mais recentes exemplos. Quem se impressiona não reconhece o que isso representa para um a cada cinco brasileiros, o número dos que professam a fé evangélica ou pentecostal no Brasil. Segundo a análise feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a partir dos microdados da Pesquisa de Orçamento Familiar 2009 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma de evangélicos pentecostais e outras denominações evangélicas alcança 20,23% da população brasileira. Outros indicadores sustentam que em 1890 eles representavam 1% da população nacional; em 1960, 4,02%.
O crescimento dos evangélicos não é um milagre, é resultado de um trabalho incansável de aproximação do povo que tem sido negligenciado por décadas pelas classes mais progressistas brasileiras. Enquanto a esquerda, ainda na oposição política, entre a abertura democrática pós-ditadura e a vitória do primeiro governo popular no Brasil, apenas esbravejava, pastores e missionários evangélicos percorreram cada canto do país, instalaram-se nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos, abriram suas portas para os rejeitados e ofereceram, em muitos momentos, não apenas o conforto espiritual, mas soluções materiais para as agruras do presente, por meio de uma rede comunitária de colaboração e apoio. O que teve fome e dificuldade, o desempregado, o doente, o sem-teto: todos eles, de alguma forma, encontraram conforto e solução por meio dos irmãos na fé. Enquanto isso, a esquerda tinha uma linda (e legítima) obsessão: “Fora ALCA!”.
________________________________________________O crescimento dos evangélicos não é um milagre,
é resultado de um trabalho incansável
de aproximação com o povo
Desde Lutero, a fé como um ato de resistência (Life of Martin Luther and and the Heros of Reformation, litografia, 1874)
O mapa da religiosidade no Brasil revela nossa incompetência social: os evangélicos e pentecostais são mais numerosos entre mulheres (22,11% delas; homens, 18,25%), pretos, pardos e indígenas (24,86%, 20,85% e 23,84%, respectivamente), entre os menos instruídos (sem instrução ou até três anos de escolaridade: 19,80%; entre quatro e sete anos de instrução: 20,89% e de oito a onze anos: 21,71%) e na região norte do país, onde 26,13% da população declara-se evangélica ou pentecostal. O Acre, esse Estado que muitos acham que não existe, blague infantilmente repetida até mesmo por esclarecidos militantes de esquerda, tem 36,64% de evangélicos e pentecostais. É o Estado mais evangélico do país. Simples: a igreja falou aos corações e mentes daqueles com os quais a esquerda nunca verdadeiramente se importou, a não ser em suas dialéticas discussões revolucionárias de gabinete, universidade e assembleia.
O projeto de poder evangélico não é fortuito. Ele não nasceu com o governo Dilma Rousseff. Ele não é resultado de um afrouxamento ideológico do PT e nem significa, supõe-se, adesão religiosa dos quadros partidários. Ele é fruto de uma condição evangélica do país e de uma sistemática ação pela conquista do poder por vias democráticas, capitalizada por uma rede de colaboração financeira de ofertas e dízimos. Só não parece legítimo a quem está do lado de fora da igreja, porque, para cada um dos evangélicos e pentecostais, estar no poder é um direito. Eles não chegaram ao Congresso Nacional e, mais recentemente, ao Poder Executivo nacional por meio de um golpe. Se, por um lado, é lamentável que o uso da máquina governamental pode produzir intolerância e mistificação, por outro, acostumemo-nos, a presença deles ali faz parte da democracia. As mesmas regras políticas que permitiram um operário, retirante nordestino e sindicalista chegar ao poder são as que garantem nas vitória e posse de figuras conhecidas das igrejas evangélicas a câmaras de vereadores, prefeituras, governos de Estado, assembleias legislativas e Congresso Nacional. O lema “un homme, une voix” (“um homem, uma voz”) do revolucionário socialista L.A. Blanqui (1805-1881), “O Encarcerado”, tem disso.
Afora a legitimidade política – o método democrático e a representação popular não nos deixam mentir – a esquerda não conhece os evangélicos. A esquerda não frequentou as igrejas, a não ser nos indefectíveis cultos preparados como palanques para nossos candidatos demonstrarem respeito e apreço pelas denominações evangélicas em época de campanha, em troca de apoio dos crentes e de algumas imagens para a TV. A esquerda nunca dialogou com os evangélicos, nunca lhes apresentou seus planos, nunca lhes explicou sequer o valor que o Estado Laico tem, inclusive como garantia que poderão continuar assim, evangélicos ou como queiram, até o fim dos tempos. E agora muitos militantes, indignados com a presença deles no poder, os rechaçam com violência, como se isso resolvesse o problema fundamental que representam.
________________________________________________A esquerda nunca dialogou com os evangélicos,
nunca lhes apresentou seus planos,
nunca lhes explicou sequer o valor do Estado Laico
George Whitefield (1714-1770) pregando nas colônias britânicas
Apenas quem foi evangélico sabe que a experiência da igreja não é puramente espiritual. E é nesse ponto que erramos como esquerda. A experiência da igreja envolve uma dimensão de resistência que é, de alguma forma, também política. O “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito” (Paulo para os Romanos, capítulo 12, versículo 2) é uma palavra de ordem poderosa e, por que não, revolucionária, ainda que utilizada a partir de um ponto de vista conservador.
Em nenhuma organização política o homem comum terá protagonismo tão rápido quanto em uma igreja evangélica. O poder que se manifesta pela fé, a partir da suposta salvação da alma com o ato simples de “aceitar Jesus no coração como senhor e salvador”, segundo a expressão amplamente utilizada nos apelos de conversão, transforma o homem comum, que duas horas antes entrou pela porta da igreja imundo, em um irmão na fé, semelhante a todos os outros da congregação. Instantaneamente ele está apto a falar: dá-se o testemunho, relata-se a alegria e a emoção do resgate pago por Jesus na cruz. Entre os que estão sob Cristo, e são batizados por imersão, e recebem o ensino da palavra, e congregam da fé, não há diferenciação. Basta um pouco de tempo, ele pode se candidatar a obreiro. Com um pouco mais, torna-se elegível a presbítero, a diácono, a liderança do grupo de jovens ou de mulheres, a professor da escola dominical. Que outra organização social brasileira tem a flexibilidade de aceitação do outro e a capacidade de empoderamento tal qual se vêem nas pequenas e médias igrejas brasileiras, de Rio Branco, das cidades-satélite de Brasília, do Pará, de Salvador, de Carapicuíba, em São Paulo, ou Santa Cruz, no Rio de Janeiro? Nenhuma.
Se esqueçam dos megacultos paulistanos televisionados a partir da Av. João Dias, na Universal, ou da São João, do missionário R.R. Soares. Aquilo é Broadway. Estamos falando destas e outras denominações espalhadas em todo o território nacional, pequenas igrejas improvisadas em antigos comércios – as portas de enrolar revelam a velha vocação de uma loja, um supermercado, uma farmácia – reuniões de gente pobre com sua melhor roupa, pastores disponíveis ao diálogo, festas de aniversário e celebrações onde cada um leva seu prato para dividir com os irmãos.  A menina que tem talento para ensinar, ensina. O irmão que tem uma van, presta serviços para o grupo (e recebe por isso). A mulher que trabalha como faxineira durante a semana é a diva gospel no culto de domingo à noite: canta e leva seus iguais ao júbilo espiritual com os hinos. A bíblia, palavra de ninguém menos que Deus, é lida, discutida, debatida. Milhares e milhares de evangélicos em todo o país foram alfabetizados nos programas de Educação de Jovens e Adultos (EJAs) para simplesmente “ler a palavra”, como dizem. Raríssimo o analfabeto que tenha sido fisgado pela vontade ler “O Capital”, infelizmente. As esquerdas menosprezaram a experiência gregária das igrejas e permaneceram, nos últimos 30 anos, encasteladas em seus debates áridos sobre uma revolução teórica que nunca alcançou o coração do homem comum. Os pastores grassaram.
dica da Isabel Dias Heringer

Um comentário:

  1. de fato, olhando sob esse prisma, nosso crescimento tem o que ensinar.

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